PAR4L1Z1-A — øđőňţømå ə öbțůřąção ėm 8000 Hż

CRÍTICA ESPETÁCULO "PAR4L1Z1-A — ØĐŐŇŢØMÅ Ə ÖBȚŮŘĄÇÃO ĖM 8000 HŻ" IX ETU

Por Broto

9/14/20253 min read

      A experiência se inicia no gramado do Departamento de artes cênicas da USP, com todos os performers estáticos amontoados em uma carruagem enquanto a fada do dente, sentada num banco alto, passa alguns disclaimers — ressalva, aviso legal ou termo de responsabilidade — sobre a peça. O diálogo direto com o público, deixa claro que suas decisões (por mais que poucas) influenciam no rumo da peça, uma vez que, para começar, um enorme botão vermelho deve ser esmagado com um martelo. Este elemento, que volta mais tarde, escancara que, assim como na peça, o rumo da vida das crianças também está em nossas mãos, se vamos ter o cuidado de orientá-las pelo espaço virtual ou arriscar sua saúde mental e seus futuros ao deixá-las caminharem sozinhas, é uma escolha nossa.

       O botão é esmagado, a apresentação finalmente começa. Os performers saem da carruagem e iniciam uma dança macabra que varia entre o kawaii, um adjetivo do idioma japonês que pode ser traduzido para “fofo”, “bonito”, “meigo” ou “educado”, e sexual. Ao fim, se dispersam e entram nos banheiros, lá dentro somos apresentados a uma espécie de exposição de criminosos, todos ligados a uma figura central, a “cursedgirl”, responsável pelo desaparecimento de jovens e chefe de um servidor privado com jogos imersivos de realidade aumentada; situação análoga à máfia real e oculta da sociedade presente principalmente em canais de comunicação como Discord e Telegram ou fóruns da internet como 4chan e Reddit, visando atrair jovens ingênuos para seus próprios proveitos diversos e internos.

           Conteúdos controversos são geralmente a porta de entrada para cruzar caminho com a pessoa errada pela internet, um grande exemplo disso são os chamados “Elsagate”, vídeos de classificação livre com personagens populares entre crianças em cenários absurdos, expondo crianças cedo demais a temas como, aborto, agressão doméstica, assassinato, mutilação e pornografia. Similarmente, o público acompanha na peça a degradação mental de jovens que adotam costumes nocivos baseados no conteúdo que consomem, propagando-o para seu círculo social através de relatos em uma conversa cotidiana. A sexualização cedo demais, a exposição a violência explicita, o machismo, racismo ou qualquer outro tema sensível se torna banal em razão do que se é considerado “cool” engraçado ou "trend" entre os jovens e expostos a esse tipo de conteúdo.

         Sob este viés, no ambiente virtual e diante de tanta informação sem nenhuma mediação ou orientação, que fim um jovem presente neste terreno hostil pode encontrar? Elliot Rodger, 2014. Um jovem frustrado sexual e socialmente, buscando um método de escape para sua vida instável, começa a frequentar fóruns incel — subcultura online cujos membros, em sua maioria homens brancos heterossexuais, se definem como incapazes de encontrar uma parceira romântica ou sexual, apesar de desejarem ter — na internet, aumentando mais ainda seu ódio pelo sexo feminino e pela sociedade ao debater suas insatisfações com pessoas similares. Eventualmente, isto o levou a escrever seu manifesto autobiográfico no qual elabora desde sua infância até os 20, seus problemas, desde sua fobia social até sua obsessão pelo sexo feminino, compartilhando uma visão niilista de mundo injusto que merecia sua vingança: o massacre de Isla Vista. O seu vídeo final antes do ocorrido é apresentado em dado momento da peça, seu refúgio, os fóruns online, apenas contribuíram para a consolidação de sua visão de mundo e, eventualmente, para a tragédia eminente. Jovens frustrados no ambiente online podem facilmente encontrar as mesmas comunidades, adquirir maior confiança para suas ideias nocivas(à sociedade ou a si) e a partir daí seguir os mesmos passos de Elliot.


        Por fim, o grupo PAR4L1Z1-A em sua fantástica experiência, nos envolve em uma ambientação lotada de memes, soundtracks de jogos indie e piadas/referencias cronicamente online, como se a internet de 2010–2016 fosse fiscalizada. Porém, também carrega consigo toda a parte obscura da internet de modo a GRITAR e escancarar um problema grotesco que nunca foi resolvido. E o que nos resta? Afinal, “estamos diante de uma entidade — ou de uma equipe — que sabe exatamente como manipular mentes vulneráveis e encobrir seus rastros no mundo digital”, ficando a nosso cargo, assim como no início da peça, a segurança de nossas crianças.


Fotografia de @helenyurika

Fotografias de @helenyurika

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