O que evoca em nós a memória?

CRÍTICA ESPETÁCULO "MEMÓRIAS DA TERRA DO SOL" IX ETU

Por Sarah Graciano

9/4/20253 min read

          No espaço aberto ao lado da sala de espetáculos do TUSP Maria Antônia, ‘Memórias da Terra do Sol’, do grupo Cigarraiada, tem a sorte de ter o dia ensolarado depois de uma semana com dias frios e nublados, o que parece ser um presente da meteorologia para a história contada e para o público que tenta se acomodar nas brechas de sol. Na música de abertura, somos apresentados ao grupo de Araraquara, interior de São Paulo, que carrega consigo uma característica muito interessante de ter integrantes/intérpretes que não trabalham ou estudam exclusivamente teatro. Essa marca interdisciplinar se faz presente ao longo do espetáculo como um todo, desde a construção das músicas, da dramaturgia e dos personagens. As composições das músicas são bem interessantes, elas dão o tom para a sequência da história e envolvimento do público, envolvimento esse que poderia ser maior, se considerar um ritmo para esse ambiente que não é a caixa fechada do teatro. Ainda pensando na trilha, um grande acerto é a distribuição de folhas com as letras, para que o público cante junto. Além de funcionar como programa da peça e material de memória para o público, é bonito ver um coro de espectadores se juntar ao “Coro de Desajustados” como descrito na biografia do grupo em suas redes sociais. O teatro e sua mágica de fazer o acaso casar, trouxe além de sol, uma exposição que já estava presente no prédio do TUSP que fez um belo cenário para o grupo, que contrastava com a coxia improvisada no cantinho do espaço cênico.

Fotografia de @helenyurika

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         A peça aborda muitos assuntos plausíveis de discussão, que inclusive, fica a reflexão sobre como fazer tantos assuntos conversarem e fazerem sentido ainda dentro do campo poético e sensível da cena, sem cair em discursos genéricos e amplamente conhecidos. Acredito que o grupo fricciona isso na peça de certa maneira, mas vou debruçar o final dessa escrita para a parte do espetáculo em que se fala sobre Araraquara, a história da cidade natal de um dos maiores mestres do teatro brasileiro, José Celso Martinez Corrêa, o grande Zé Celso.

        Pesquisar memória é quase como passar a tarde na casa de um ancestral e ficar buscando por tudo que se guarda nesse espaço - que geralmente é muita coisa, e quando se transpõe essa pesquisa no campo do teatro, é necessário entender os recortes que a história convoca. Assim, acredito que a história sobre a cidade do grupo poderia ficar mais evidente, ou melhor ainda, mais expandida. O espetáculo convoca a gente a imaginar brechas que poderiam ser ampliadas. Onde estão as fendas que não estão presentes no espetáculo? Como podemos transformar uma história que já está dada? Se tivéssemos uma lupa para olhar essa história, que letrinhas miúdas encontraríamos? Se Zé Celso ainda estivesse nesse plano, como ele contaria essa história? E as outras figuras que são citadas, como elas contariam?

       ‘Memórias da Terra do Sol’, por fim, é um convite a conhecer os demais grupos de teatro do interior de São Paulo e também, um convite a gente repensar nossa relação com a memória dos nossos territórios, buscar encontrar aquilo que não vemos ou que não nos permitem ver. Um chamado para refletir os desdobramentos possíveis, imaginar uma outra história, a partir daquilo que já está consolidado.